Imprimir o parecer Nova Pesquisa      Voltar

Órgão: nao
Parecer Número: 003750-0000/09 Data: 05/08/2009
EMENTA: Fere normas éticas a imposição de horários de atendimento rígidos e insuficientes para realização de perícias médico-previdenciárias, comprometendo a qualidade do atendimento, devido a complexidade do procedimento e por suas implicações para o segurado, para o Estado e para o próprio médico perito.

Parecer Consulta nº 003750-0000/09
Relator: Cons. Renato Assunção R. S. Maciel
Assunto(s) relacionado(s):
  • Jornada de Trabalho
  • Perícia Médica
  • Produtividade do Trabalho
  • PARECER-CONSULTA 3750/2009

    CONSULENTE: DR. J.M.O.

    CONSELHEIRO: DR. RENATO ASSUNÇÃO RODRIGUES S. MACIEL - CRMMG 9.527

    EMENTA: Fere normas éticas a imposição de horários de atendimento rígidos e insuficientes para realização de perícias médico-previdenciárias, comprometendo a qualidade do atendimento, devido a complexidade do procedimento e por suas implicações para o segurado, para o Estado e para o próprio médico perito.

    PARTE EXPOSITIVA

    Diz o consulente:

    "Sou perito médico do INSS lotado na Gerência de B. e Delegado da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos) e como representante da categoria gostaria de formular a seguinte consulta:
    1) O INSS, mediante Resolução recente determinou o cumprimento de jornada de 8 horas diárias, com rigoroso controle eletrônico;
    2) O referido sistema de controle (ponto eletrônico) é vinculado diretamente ao Setor de Recursos Humanos do INSS, gerando descontos automáticos nos vencimentos do perito, na proporção de qualquer atraso ou descumprimento da jornada integral de 8 horas/dia;
    3) Além do controle rigoroso do ponto, há controle rigoroso da carga de trabalho, exigindo-se 24 perícias/dia, com pré-agendamento eletrônico, com intervalo rigoroso de 20 minutos para cada perícia, perfazendo 8 horas de trabalho, impondo-se uma carga de trabalho pré-fixada;
    4) Concluí-se, portanto, pela existência de exigência simultânea de carga de trabalho e de carga horária, ambos com rigoroso controle eletrônico;
    5) Além da grande pressão que temos em decorrência da natureza do próprio trabalho pericial previdenciário, que resultou em centenas de agressões a peritos e dois assassinatos, ainda há esta imensa pressão interna, acima descrita.
    Diante do exposto, nossa consulta aos prezados Conselheiros é a seguinte:
    1) Existem Resoluções do CFM que possam impedir as cobranças acima explicitadas?
    2) Há a possibilidade de emissão de um parecer discursando especificamente sobre a situação descrita?
    3) Há respaldo ético e apoio deste Conselho para que o perito do INSS possa realizar um quantitativo de perícias que for razoável ao bom desempenho pericial? A título de exemplo, muitos peritos do INSS estimam entre 40 e 60 minutos o prazo para uma perícia padrão (incluindo anamnese, análise de atestados e exames complementares, exame físico, pesquisa de antecedentes laborais, análise da legislação pertinente ao caso, eventual análise do posto de trabalho, etc.). Isto daria uma média de umas 10 perícias/dia, cumprindo a jornada de 8 horas/dia. Há respaldo para esta ação por parte dos peritos? Poderíamos ser sancionados pelas chefias imediatas se adotarmos esta atitude? Poderia haver descontos na folha de pagamento nesta circunstância?
    Colocamo-nos à disposição para quaisquer vistorias ou inspeções em nossos postos de trabalho, em qualquer agência da Previdência que este Conselho julgar oportuno avaliar.

    PARTE CONCLUSIVA

    A carreira de perito médico do INSS passou a existir por força da Lei 10.876 de 02.06.2004 que profissionalizou a função pericial anteriormente realizada por médicos credenciados, não pertencentes ao quadro do INSS, que atendiam em consultórios particulares, sendo remunerados pelo número de atendimentos. Dois concursos públicos realizados em 2005 e 2006 selecionaram o quadro de pessoal atual, em que, cerca de 70% ingressou através dos mesmos. Há, também, atualmente, cursos de capacitação para estes profissionais. Tudo isto resultou em inquestionável melhoria técnica da perícia previdenciária que já se faz evidente com o controle das filas, diminuição da tendência exponencial de aumento de benefícios, melhoria sensível dos laudos, entre outros. Portanto, a carreira pericial previdenciária é relativamente recente e encontra-se, ainda, em consolidação.

    Dentro deste contexto, tais melhorias somente foram possíveis com o maior comprometimento dos peritos na justa avaliação para concessão dos auxílios  previdenciários aos trabalhadores incapacitados e no  combate às fraudes. Isto somente é viável com condições de trabalho adequadas, aí incluídas a remuneração justa e condições materiais, técnicas e éticas para o exercício profissional responsável.

    O trabalho pericial é complexo e de grande importância pelas conseqüências que acarreta para o segurado e para o Estado. O perito está tutelado por normas administrativas, éticas, cíveis e penais, respondendo pelos seus atos, sendo o laudo ao mesmo tempo peça de acusação e sua única defesa, justificando mais ainda sua responsabilidade para com o mesmo.

    Assim sendo, o Memorando-Circular nº 18 DIRBEN/CGBENIN de 15.08.08 informa: "Com o objetivo de garantir a qualidade técnica dos laudos médico-periciais emitidos pela Perícia Médica da Previdência Social, reiteramos a importância da análise dos Antecedentes Médico-Periciais, incluindo os laudos de benefícios anteriores e os de requerimentos indeferidos. Essa fase do exame  pericial é  indispensável à adequação médico-legal da conclusão quanto à existência de incapacidade laborativa, da fixação da data de início da doença, da data de início da incapacidade e da aplicação do nexo técnico entre agravo à saúde e profissiografia. Enfatizamos, ainda, a necessidade de checar a ocupação do segurado que migra do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para o SABI."

    A Procuradoria Federal Especializada INSS emitiu em janeiro de 2007 Nota Técnica concluindo que "resta inquestionável a necessidade de exames médico-periciais acurados, verdadeiros, fundamentados e conclusivos, o que se configura critério indispensável, tanto para o acesso dos segurados aos seus direitos previdenciários como para uma defesa eficiente do INSS em Juízo. Conclui o parecer que, em caso de "laudo médico-pericial onde a história clínica e o exame físico não apresentam mínima coerência com o diagnóstico anotado; laudo médico-pericial  onde a história clínica e o exame físico não fundamentam a conclusão médico-pericial; laudo médico-pericial onde é  usado o recurso de informática "copiar/colar" dados  de laudo anterior, sem nova  fundamentação para a conclusão médico-pericial e laudo médico-pericial efetuado e concluído sem a presença do segurado são práticas inaceitáveis. Conclui que ante as condutas acima descritas deve-se instaurar o competente procedimento administrativo disciplinar, representar ao respectivo Conselho Regional de Medicina e ao Ministério Público, em caso de infração penal.          

    Na mesma direção vai o CFM em seu Processo-Consulta 6.587/07 onde, nas mesmas situações descritas pontifica que "laudos médico-periciais com indícios de infração ética serão encaminhados aos CRM da jurisdição para as providências cabíveis".

    Assim sendo, parece-nos claro que o exame médico-pericial com finalidades previdenciárias constitui ato médico complexo, que demanda conhecimento técnico multidisciplinar, da legislação trabalhista e de normas da Previdência Social, necessitando ainda anamnese e exame físico adequados, análise de atestados e exames complementares, pesquisa de antecedentes laborais e previdenciários, análise da legislação adequada ao caso, eventual análise das condições de trabalho, tudo isto dentro de contexto de acolhimento humanístico do segurado, nessa ocasião portador de grandes expectativas quanto ao seu pleito. Não se pode, obviamente, fazer tudo isto e elaborar laudos bem fundamentados e com conclusões adequadas dentro de 20 minutos, pelo menos para grande parte dos casos.

    Não se pode, portanto, com o intuito de cumprir normas administrativas, trabalhar dentro de padrões não condizentes com o bom exercício profissional, colocando em risco, direitos essenciais do paciente e, ainda, sem o devido resguardo da conduta do médico no campo da responsabilidade ética, civil, penal e administrativa. O próprio CEM em seu artigo 8º estabelece que: "O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção  do seu trabalho."

    Em relação à cronometragem de atos médicos há repúdio da medida em inúmeros pareceres do CFM e dos CRMs. Assim sendo, no Processo-Consulta CFM 3.236/89, assim se manifesta o Cons. Sérgio Ibiapina Ferreira Costa: "O tempo que necessita o médico em favor de seu paciente não pode ser cronometrado. (...) Não deve ser da competência de nenhum Órgão ou entidade a determinação do número de atendimentos médicos para qualquer carga horária em qualquer especialidade. Tal fato ceifa entre outras coisas a liberdade profissional para o correto julgamento, resultando na automação do atendimento e na despersonalização do paciente".

    No âmbito deste Conselho recorremos ao Parecer-Consulta 3359/07 do Cons. João Batista Gomes Soares onde encontramos "O médico não pode estar obrigado a atender número fixo de consultas/hora" e "A orientação de atendimentos em uma média de 3 a 4 consultas por hora (15 a 20 minutos) é apenas uma orientação, já que o ato médico não pode estar adstrito exclusivamente ao tempo, sob pena de prejudicar o paciente. (...) As normas do SUS são parâmetros e não são de observação irrestrita". Diz o mesmo conselheiro no Parecer-Consulta CRMMG 3337/07: "Perícias médicas e consultas não têm equivalência de tempo para sua execução". (...) "As perícias médicas não podem ser realizadas com tempo definido" e "Ao médico não pode ser imposto parâmetros absolutos tendo em vista as particularidades de cada caso e o perfil do atendimento de cada profissional".

    Na Consulta CREMESP 65.889/01 Parecer Ético-Jurídico diz, entre outros: "A relação médico-paciente, antes de se falar em conceitos mercadológicos de produtividade, é uma relação humana, subjetiva, baseada na confiança, onde cada caso é um caso. Com isto, estabelecer tempo de duração para uma consulta não se coaduna com os preceitos constitucionais e intraconstitucionais que disciplinam a matéria. O CEM que consiste numa Resolução, ou seja, num ato administrativo normativo dotado  de força de lei, quando em consonância com ela,  dispõe:

    Artigo 16: Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou instituição pública ou privada poderá limitar a escolha por parte do médico dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.
    Art. 27 : É direito do médico, dedicar ao paciente, quando trabalhar com relação de emprego, o tempo que sua experiência e capacidade profissional recomendarem para o desempenho de sua atividade, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas  prejudique o paciente."

    Por outro lado, a Administração Pública tem o direito e, mesmo, o dever, de planejar suas atividades de forma racional, inclusive permitindo agendamento de atendimentos, com óbvios benefícios para o segurado. Mesmo em consultórios privados algum tipo de quantificação e agendamentos de consultas ocorre, mesmo que, como se verifica com frequência, de forma imperfeita. Além do mais, mecanismos para aferir freqüência, pontualidade e execução de atividades de funcionários são absolutamente legítimos, desde que dentro do espírito do contrato de trabalho firmado entre as partes.

    Assim sendo, concluímos:

    1. Fere os princípios éticos a imposição de horários rígidos para atos médicos, em função das particularidades desta atividade, com potencial de prejudicar o paciente;

    2. O tempo médio despendido com exame pericial previdenciário, pelas várias razões comentadas, deve ser significativamente maior que o gasto em consultas ambulatoriais rotineiras;

    3. O tempo de 20 minutos fixado para a realização de perícia médica-previdenciária parece-nos insuficiente para se cumprir tal atividade de forma condizente à sua complexidade, suas implicações para o segurado e para o Estado e por sujeitar o médico perito a riscos de falhas éticas, administrativas, cíveis e penais;

    4. Não é eticamente aceitável fixar-se tempo máximo para ato médico pericial e muito menos vincular este tempo ou o número de atendimentos por jornada de trabalho a índices visando gratificação por desempenho;

    5. A Administração Pública tem, obviamente, o direito de aferir comparecimento, pontualidade, cumprimento de horários de trabalho e execução de tarefas por parte de seus funcionários dentro do espírito do contrato de trabalho firmado;

    6. Deve a Administração Pública Previdenciária estudar formas alternativas de distribuição de encargos e programação de atividade dos médicos peritos, ouvindo especialmente seus Conselhos de Ética Médica e a representação da categoria (ANMP).

    Belo Horizonte, 05 de agosto de 2009

    Cons. Renato Assunção Rodrigues da Silva Maciel

    Relator

    Aprovado na Sessão Plenaria do dia 08/08/2009.

    Imprimir o parecer Nova Pesquisa      Voltar
    Sistema de Pesquisa de Pareceres Sistema de Pesquisa de Médicos Inscritos